Foto: Liana John (coquinhos de murumuru/Médio Juruá, AM) |
Por Liana John
Junto aos xampus e condicionadores,
nas prateleiras de supermercados, hoje é fácil encontrar pequenos frascos
contendo um óleo transparente: o reparador das pontas dos cabelos. Feito à base
de silicone, um
derivado de petróleo, esse oleozinho forma uma camada
protetora nos
fios, cuja função é minimizar os danos causados por poluição, poeira,
excesso de sol e outras agressões cotidianas. O “escudo” milimétrico realmente
protege os cabelos, talvez
até demais, pois não deixa nem o ar passar.
Como o reparador de pontas,
existem também diversos produtos cosméticos à base de silicone para a pele.
Igualmente eficientes e superprotetores.
Todos esses produtos têm um
substituto vegetal, oriundo lá da Amazônia profunda,
como se costuma chamar a porção mais interior da grande floresta. Nas várzeas e
matas periodicamente alagadas (igapós) – notadamente da Ilha
de Marajó e do
vale do Juruá, entre o
Acre e o Amazonas – cresce uma palmeira cheia de espinhos conhecida como murumuru (Astrocaryum
murumuru). Dela se extrai uma manteiga com as mesmas
propriedades protetoras do silicone. “A diferença é que o murumuru permite a respiração”,
afirma o químico Luiz Morais,
proprietário da empresa Amazon Oil,
sediada em Ananindeua, no Pará.
Quando pequeno, em Marajó,
Morais sempre via a avó preparar o sabão de murumuru com casca de cacau:
primeiro ela moía tudo no pilão, depois fervia com água e separava o óleo na
superfície da panela. “Na época da minha avó, só rico é que tinha xampu. O
resto lavava os cabelos com sabão feito em casa, mas antes passava o óleo de murumuru para ficarem sedosos e brilhantes”,
lembra. Mal sabia ele, então, que acabaria estudando as propriedades químicas
dos produtos da floresta e passaria a beneficiar seus óleos para
comercializá-los em todo o país e no Exterior.
Em especial, segundo ele, o murumuru
contém alto teor de dois ácidos graxos saturados de cadeia curta – o láurico (44%) e o mirístico (30%) – ambos importantes para a
proteção da pele e dos cabelos. A gordura desse coquinho também é branca,
inodora e não fica rança com facilidade, de encomenda, portanto, para uso
industrial. Sem contar o detalhe do ponto de fusão (32,5 graus centígrados),
superior ao do dendê (25 graus centígrados) e do coco (22,5 graus centígrados), uma vantagem
na produção de sabonetes e cremes.
Os produtos à base de
murumuru são nutritivos, emolientes, hidratantes eantioxidantes. “E os xampus têm a propriedade de clarear os cabelos naturalmente”, acrescenta o
empresário. Além de fornecer a manteiga a indústrias cosméticas, ele também a
vende como alimento funcional (antioxidante sólido), para a
fabricação de substitutos de margarina, e
como matéria primafarmacêutica,
para servir como veículo de supositórios.
E não é só isso: diversos
pesquisadores testam o óleo de murumuru comobiocombustível ou
na alimentação de pequenas usinas térmicas.
Este foi o caso de um experimento realizado em 2008 pela Universidade Federal
do Pará (UFPA) em
parceria com a Eletronorte,
para gerar eletricidade em comunidades isoladas do vale do Juruá. O processo
usado foi o de gaseificação do óleo vegetal, desenvolvido pelo
engenheiro mecânico da Universidade de Brasília (UnB), Carlos
Alberto Gurgel Veras. A mini usina também pode ser alimentada
com resíduos de madeira, sementes de açaí, cascas de babaçu e outros
subprodutos do extrativismo disponíveis.
E pensar que para muitos
ribeirinhos a palmeira do murumuru costumava ser um estorvo, por causa dos
espinhos… Quem sabe um dia a planta venha a ser domesticada e os melhoramentos
incluam a produção de variedades sem espinho. Mercado para isso existe, já que
não nos faltam poluentes e agentes externos para estragar pele e cabelos!