Diante da injustiça, a covardia se veste de silêncio (Julio Ortega) - frase do blog http://www.findelmaltratoanimal.blogspot.com/

domingo, 27 de junho de 2010

Hermanos

“Hermano” ganha o prêmio de melhor filme no Festival de Moscou

O filme venezuelano “Hermano” de Marcel Rasquim, conquistou neste sábado o prêmio São Jorge de Ouro no 32º Festival Internacional de Cinema de Moscou (FICM).
Rasquim recebeu a estatueta das mãos do cineasta francês Luc Besson, presidente do júri desta edição do FICM. Concorreram 16 filmes, entre eles “A La deriva”, do catalão Ventura Pons e filmes de países como Suécia, República Tcheca, Sérvia, Alemanha, Rússia, Turquia e França.

sábado, 26 de junho de 2010

Oscar, o gato biônico

Gato biônico

Oscar, um gato preto com olhos verdes, perdeu suas duas patas traseiras enquanto tomava sol.
O acidente ocorreu quando tinha dois anos e meio. Oscar é “proprietário” de Kate e Mike Nolan. O veterinário local enviou Oscar a um neurocirurgião ortopédico – o doutor Noel Fitzpatrick.
Com a ajuda de especialistas em engenharia biomédica, Fitzpatrick colocou em Oscar dois implantes metálicos artificiais.
A partir daí, Oscar pode correr e saltar como faz qualquer felino.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Ambientalistas e mídia calados diante do desastre ecológico provocado pela British Petroleum

Mídia e Copa: o mundo reduzido ao futebol

Professor Venício Lima

Não existe melhor exemplo para expressar aquilo que o professor canadense Marshall McLuhan (1911-1980) denominou “aldeia global”, há mais de quatro décadas. A tecnologia tornou possível que as imagens da Copa do Mundo de Futebol estejam disponíveis em todo o planeta, ao vivo, simultaneamente.
Haverá outro evento midiático capaz de interessar e mobilizar tanta gente? No Brasil, quando está envolvida a “seleção canarinho”, já dizia com propriedade Nelson Rodrigues: é a pátria que está de chuteiras.
São trinta dias corridos, cerimônias de abertura e encerramento, 64 jogos ao vivo (124 horas), treinos, entrevistas, reportagens especiais, etc. etc. Duas redes abertas – a Globo e a Band –, os canais de esporte da TV paga e as demais emissoras (que não estão transmitindo os jogos), com programação especial. Só a Globo tem 300 pessoas na Copa: 220 profissionais que foram do Brasil e mais 80 terceirizados contratados na África do Sul. E, por óbvio, não é só a televisão, nem o rádio. Jornais e revistas também “entram no clima” da Copa.
Ademais, é neste dias que a predominância da lógica comercial da grande mídia se revela em sua dimensão plena. Além da “Jabulani” que rola, há muito dinheiro em jogo. E claro, o mundo da grande mídia parece reduzido ao futebol.

A British Petroleum
Um amigo chama minha atenção para a cobertura “enviesada” que a grande mídia está fazendo, nestes dias de Copa do Mundo, do gigantesco vazamento de óleo provocado pela empresa “inglesa” British Petroleum, no golfo do México. Segundo ele, este pode ter sido o maior desastre ecológico do mundo. Todo o golfo poderá ter sua fauna e flora marinha comprometida de forma irreversível. E, no entanto, a grande mídia, não dá ao desastre a dimensão que ele deveria ter.
Primeiro, na maioria das vezes, a grande mídia se refere à British Petroleum apenas como “BP”. Estaria em andamento uma estratégia de RP para, escamotear de qual país é a empresa responsável pelo desastre ecológico?
Segundo, onde está o Greenpeace? Onde estão O Globo, a Rede Globo, a Folha, o Estadão, a CBN e seus “analistas políticos”, os "econômicos", os "apresentadores", as "ONGs", ambientalistas, verdes, igrejas, atores hollywoodianos? Onde estão todos que se manifestaram ruidosamente por ocasião do leilão da hidrelétrica de Belo Monte?
Terceiro, a grande mídia faz o jogo da Casa Branca, anunciando que o presidente Barack Obama “quer saber em quem ele tem que dar um chute no traseiro”, como se um acidente que é devastador para a humanidade pudesse ser resolvido dessa forma.
E por último, há comentaristas que tentam até mesmo trazer a questão para o Brasil insinuando que o desastre no Golfo do México “deve alertar os brasileiros para a exploração e prospecção da Petrobrás no pré-sal”.

Interesse público
Por óbvio, os problemas da cobertura do desastre ecológico provocado pela British Petroleum no golfo do México não ocorrem apenas em períodos quando a agenda midiática está inteiramente submetida à lógica comercial de eventos da proporção de uma Copa do Mundo. Nestes períodos eles apenas se acentuam.
Por isso – e apesar de todo o envolvimento histórico cultural que os brasileiros temos com o esporte bretão – nunca é demais lembrar que, mesmo em época de Copa, o interesse público vai muito além do entretenimento e o mundo não se reduz ao futebol.

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Estrangeiros demais comprando terras no Brasil

O litoral do Nordeste brasileiro, apesar de ter pouquíssima Mata Atlântica, é privilegiado pelas belas praias. Até aqui não há novidade. Sabemos disto e, na medida do po$$ível, tentamos usufruir destas águas quentes. O estrangeiro também e com muito mais privilégio, já que o poder aquisitivo é maior.
Lotes e mais lotes, pousadas e hotéis, restaurantes... são comprados! Não é só no Nordeste.
Foi publicada no site www.vermelho.org.br, por Umberto Martins, uma matéria em que Lula tenta barrar estas vendas. Obviamente que o problema é mais antigo, mas vale ficarmos alertas.
O “acidente” no Golfo do México e suas conseqüências ao meio ambiente podem ser um leve indicio a omissão: é impressionante como algumas ONGs também presentes no Brasil estão caladas e não estão fazendo nada ou quase nada para denunciar esta calamidade. Nesta sexta-feira segue outra matéria mais aprofundada sobre este tema.

Lula: venda de terra a estrangeiro compromete soberania nacional
O presidente Lula está preocupado com o volume crescente de compra de terras brasileiras por estrangeiros e promete medidas para coibir a venda. Em sua opinião, respaldada pelos partidos progressistas e os movimentos sociais, a aquisição de propriedades rurais pelas multinacionais compromete a soberania alimentar da nação e não deve ser tolerada.
O governo deve encaminhar ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) “para deixar claro aos investidores que podem investir em qualquer campo, mas não em terras”, afirmou o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, em entrevista ao jornal Valor.

Apetite das multinacionais

De acordo com estatísticas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a área total do território brasileiro sob propriedade alienígena chega a 4,037 milhões de hectares e cresce cotidianamente. É relevante notar que o levantamento do instituto não inclui propriedades de empresas supostamente nacionais que na verdade são controladas, direta ou indiretamente, por capitalistas de outros países.
O problema torna-se mais sério na medida em que o tempo passa e as autoridades brasileiras não adotam providências, pois todo santo dia, ainda conforme o Incra, estrangeiros compram cerca de 12 quilômetros de terra brasileira, uma área seis vezes maior que o Principado de Mônaco, um pequeno país europeu.
O apetite das multinacionais tem como pano de fundo o aumento da demanda mundial por recursos naturais, a escassez de água, a crise alimentar e a elevação dos preços da terra, conforme observou o jornalista Mauro Zanatta, no Valor (22-6). Ao lado disto, pesa também o vigoroso desenvolvimento do chamado agronegócio, com destaque para a cultura da cana, no Brasil.

Concentração

Ao todo já são 34.218 propriedades rurais sob controle de capitalistas estrangeiros, sendo que 38% desses imóveis estão no Centro-Oeste, onde a área média é de 473 hectares. Os 100 maiores imóveis somam 763,2 mil hectares, sendo que o maior deles é um latifúndio com 31,3 mil hectares.
Entre 2002 e 2008 o Investimento Externo Direto (IED) em terras brasileiras somou 2,43 bilhões de dólares. Fundos internacionais com carteira superior a 10 bilhões de dólares têm sido cada vez mais agressivos nos investimentos em terra, segundo o Valor.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) critica a liberdade que o capital estrangeiro desfruta para aquisição de imóveis rurais argumentando que isto potencializa a concentração da terra no país, eleva os riscos de controle da agricultura nacional pelas transnacionais e inflaciona os preços da terra.

Herança perversa

A entidade, que defende os interesses do conjunto da classe trabalhadora rural (assalariados e agricultores familiares), entende que é preciso assegurar o controle público sobre o território nacional e uma regulação mais rigorosa do direito ao imóvel rural para garantir a soberania alimentar e a função socioambiental da propriedade, preconizada pela Constituição.
Neste caso, conforme o ministro Guilherme Cassel, ocorre uma unidade de interesses entre pequenos, médios e grandes produtores rurais, “da Kátia Abreu [presidente da CNA] ao João Pedro Stédile [dirigente do MST]”. Afinal, restringir o acesso à propriedade privada nesse terreno “não fere o capitalismo”, observou. O excesso de liberalismo no campo, assim como nas cidades, é outra herança perversa dos governos tucanos presididos por FHC.

Umberto Martins, com Valor e Contag

terça-feira, 22 de junho de 2010

Minhocário ou composteiras domésticas

Transforme seu lixo em belas flores!
Para contribuir com a redução do lixo orgânico produzido na cidade, a Morada da Floresta concebeu e desenvolve o projeto Composteira para Todos, que visa facilitar o acesso, o uso e o manejo adequado de composteiras e minhocários urbanos, que podem ser aplicados em residências, escolas, empresas, ambientes de trabalho, áreas comuns de prédios e espaços públicos.
A composteira doméstica Composteira para Todos é um sistema de reciclagem dos resíduos orgânicos onde minhocas e microorganismos transformam restos de alimentos em adubo de excelente qualidade. É um sistema prático, compacto, higiênico e de fácil manuseio que não produz cheiro nem atrai insetos e animais indesejados.
Os Kits Composteira para Todos funcionam com 3 caixas de plásticos empilhadas nas quais as duas que ficam em cima digerem os resíduos orgânicos (caixas digestoras) e a que fica em baixo (caixa coletora) recolhe o chorume que escorre das caixas de cima. As duas caixas digestoras são furadas no fundo para facilitar o fluxo das minhocas e do chorume, e a caixa coletora possui uma torneira para facilitar a retirada do chorume.
Além da produção e vendas de composteiras domésticas, a Morada da Floresta desenvolve projetos de Sistemas de Compostagem Empresarial, cursos, oficinas, palestras, materiais educacionais, informativos e projetos para difundir e efetivar a prática do reaproveitamento e destinação ecológica dos resíduos orgânicos na cidade.
Para informações e encomendas:
Morada da Floresta
(11) 3735 4085
http://www.moradadafloresta.org.br/
email para contato: moradadafloresta@gmail.com moradadafloresta@gmail.com

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Waka Waka: concerto de abertura da copa

Waka Waka - a canção da Copa 2010

Letra:
Llego el momento,

caen las murallas

va a comenzar

la única justa

de la batallas.

No duele el golpe,

no existe el miedo

quítate el polvo,

ponte de pie

y vuelves al ruedo.

Y la presión

que sientes

espera en ti,

tu gente!

Ahora vamos por todo

y te acompaña la suerte

samina mina Zangaléwa

porque esto es África.

Samina mina ¡eh! ¡eh!

waka waka ¡eh! ¡eh!

samina mina Zangaléwa

porque esto es África.

Oye tu dios y

no estarás solo

llegas aquí

para brillar

lo tienes todo.

La hora se acerca

es el momento

vas a ganar

cada batalla

ya lo presiento.

Hay que empezar

de cero

para tocar

el cielo.

Ahora vamos por todo

y todos vamos por ellos

samina mina Zangaléwa

porque esto es África.

Samina mina ¡eh! ¡eh!

waka waka ¡eh! ¡eh!

samina mina Zangaléwa

porque esto es África.

Samina mina ¡eh! ¡eh!

waka waka ¡eh! ¡eh!

samina mina Zangaléwa

porque esto es África.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Receita de suco ecológico

Por Daniel Francisco de Assis

Este suco seria energético, mas sem as bananas ele se torna um suco desintoxicante

Primeira parte:
5 cm de gengibre
2 xícaras de couve
2 maçãs
1 pepino
1 punhado de grama de trigo
5 folhas de bálsamo
1 colher de sopa de girassol germinado com ou sem casca
Liquidificar e coar.

Segunda parte:
1 xícara de gelo (opcional)
1 xícara de couve
1 colher de chá de espirulina, coloque menos se não está acostumada(o) com o sabor. Use em pó (opcional)
1 colher de café de marapuana (use em pó)
Liquidificar e não coar.

Provar. Se estiver muito forte, adicione duas ou três bananas depende do tamanho e liquidifique novamente. Colocando a banana o suco fica mais doce. Para ficar mais refrescante adicione gelo.
Daniel Francisco de Assis é engenheiro ambiental (PUC-RJ) http://comidaecologica.com.br

V Evento Direito Animal - UNESP Rio Claro/SP

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Adriana Gragnani e sua gata

Seu Silva! Uma história...
Ouvi pra lá de tantas histórias sobre cães e gatos, todas de gentes da cidade que tiveram encurtadas suas casas, engaiolados, pode assim ser dito. Pois que tenho história, talvez não tão igual, mas parecida diferentemente. Sempre tivemos – minha família quando ainda era uma família de pai, mãe e 3 filhos – em casa, cachorros. Isso porque pensávamos que gatos eram de rua, mesmo que tendo nascido com boa raça, como era de ser sempre visto em enciclopédias. O Tom, aquele que ia com o Jerry, não era verdadeiramente um gato. Era um artifício de maldade. Pensando adultamente creio que representavam a guerra fria com seus conflitos intercorrentes sem chegar em definitivo numa guerra. Assim pensava até minha adolescência. O cão era o verdadeiro amigo do homem, assim dizia o dito. Tivemos um, o Dino, vira-lata preto, que era ótimo goleiro. Mas o primeirão era o Tito, fox-paulistinha, primeirão porque foi o primeiro que se achegou à família. E chegou causando confusão. A irmã mais velha de meu pai tinha o apelido de Tita. Ficou muito amuada, essa tia. Crescemos, todos adultos, espaços diferentes, cada um prum canto, tinha eu a irredutível convicção que animal, em apartamento, só o ser humano, mesmo. Igual quase que muita gente. Ocorre que, por um vão do destino, coube a mim cuidar mais de perto de meu pai, quando se preparava para o fim. Comprei um canário, o Luar, que dei o nome causa de um tio que gostava e que estava falecido – o nome era Luar de trás pra começo – que cantava, cantava bonito. Mas a ave era insuficiente para preencher certo vago de presença de meu pai. Então, um dia, uma amiga que é budista – e que recolhe e abriga e se não fica, dá destino bom a gatos – mo disse: você precisa arrumar um gato para seu pai. E eu: Imagina!!!!!!!! Nunca tivemos gato em casa e a bem da verdade da realidade passada, tínhamos que gato era coisa de rua, mesmo, como já dito. E minha amiga insistia delicadamente, citando até a Nise da Silveira, porque gato ajuda nessa coisa da afetividade. Enfim, certo sábado, essa amiga pegou-me para arranjar um gato pro meu pai mas que seria meu, pelos cuidados. Fomos num bazar de gatos abandonados, já vacinados. Na minha cachola inventei que o meu primeiro gato seria gata rajada e de 3 cores, preta, vermelha e cinza, igual de uma foto que havia visto de um felino grego. Mas, em lá chegando, veio a moça e mostrou-me uma gata mínima, orelhuda, zoiuda e eu pensei – coisas do imaginário inconsciente – não era essa gata a que pensava em ter. Mas, ao mesmo tempo, meditei: não posso simplesmente dizer não quero essa gata porque ela não é vermelha, preta e cinza. Então, escolhi a escolhida e pediram para eu dar um nome. Assim, na lata! Que nome? Inventei um que eu já tinha e já sabia qual seria: Bromélia Maria. Levei minha gata Brô para casa e, surpreendentemente, milagrou-se a coisa. Meu pai e eu – pela primeira vez na vida – tivemos um convívio doméstico com uma felina. E ele gostou, enquanto durou um ano de convívio; chamava a gata pela manhã, ela ficava sob sua cadeira, ele acariciava. Pai ido, fiquei com a gata que me acompanha como sombra. Já tem 8 anos, é chata, manhosa, birrenta, dominadora, marruda. Mas me reconhece como sua comparsa e me acorda todo dia às seis horas da matina.
http://www.olharescrito.blogspot.com/ 

domingo, 6 de junho de 2010

A Germinar agora representa os produtos do Curupira da Amazônia

Óleos, resinas, manteigas, sabonetes, entre outros: andirobra, argila da Amazônia, breu-branco, bacuri, buriti, copaíba, cupuaçu, muru-muru, pracaxi, seiva de ucuúba... e quando não encontrar algum produto, favor escrever para: lojagerminar@gmail.com
Consumo sem crueldade contra os animais:
http://www.lojagerminar.com.br

sábado, 5 de junho de 2010

Um ano sem Paula Beiguelman

A primeira vez que falei com a Paula foi por telefone e poucos meses após retornar de Cuba. Estava encantada com a Ilha, com o povo cubano, com Fidel e com Che Guevara.
Surgiu uma agenda em homenagem aos 30 anos sem Che Guevara.
A Paula, ainda somente por telefone, indicou poesias sobre o Che.
Então a conheci pessoalmente. Passamos a ter encontros semanalmente sobre o “Concurso em homenagem ao Che”, com Clóvis Moura e Antonia Rangel.
Foram mais de 10 anos com poucos encontros, mas com ligações quase diárias.
No golpe contra Hugo Chávez, em 11 de abril de 2002, ainda com a internet sem banda larga, acompanhávamos minuto a minuto a rádio Relógio cubana e a CNN em espanhol, torcendo pelo retorno de Chávez.
A partir daí as ligações passaram a ser mesmo diárias, principalmente com as bobagens que a Heloísa Helena tentou vomitar em 2005. A Paula era contra golpes. Sabia como ninguém, alertar detalhadamente as entrelinhas quando alguma coisa estava descrita nos cinco jornais que lia diariamente ou em outras publicações que comprava da banca predileta perto de sua casa.
Que saudade de seu “iiiiiiiii”: “este não conta mais”; “este virou político profissional”; “por que a mulher dele não fica quieta?”; “tenha dó”...


Paula Beiguelman: militante da história
Por Paulo Cannabrava Filho

A primeira vez que ouvi falar em Paula Beiguelman foi através de citações feitas por Darcy Ribeiro que se dizia um grande admirador do pensamento e obra da professora Paula. Depois, só no inicio da década de 1980, tive o privilegio de conhecê-la pessoalmente. Quando recomendo aos jovens leituras que considero indispensáveis para se entender o Brasil, os primeiros autores que cito são precisamente Darcy e Paula. Depois cito aqueles que me recomendavam seja na escola, seja nos grupos de estudo e que também considero leituras indispensáveis: Holanda, Faoro, Freire, Caio Prado, Celso Furtado, etc.
Darcy revolucionou a antropologia. Fez com que nos entendêssemos a nós próprios como brasileiros sem sentir vergonha disso. Ao contrário, injetou-nos o entusiasmo de ser criadores de uma nova civilização. O Brasil da esperança, do futuro, é isso, é o que estamos criando. Com esse mesmo olhar crítico à realidade, com essa mesma coragem de desmontar os mitos, Paula nos mostrou o caminho para o repensar da história, a história vista pelos protagonistas, sem a distorção intencional dos que se utilizam também da história como instrumento de dominação. O que vejo de identificação no pensamento e obra de Darcy e Paula é que ambos mergulharam na realidade crua a dura da nossa brasilidade territorial e humana. Olharam criticamente, formularam suas teorias e protagonizaram uma ação transformadora. Convencida sempre de que “a práxis é teoria dentro da prática” Paula ia às fontes originais do fazimento da política e ela mesma se vestia de militante, construindo partido, ajudando na formação de quadros, cerrando filas nas lutas nacionalistas e emancipadoras.
Convivi com Paula na década de 1980 quando lutávamos pelas diretas, pela constituinte e tentávamos reconstruir o trabalhismo. O trabalhismo entendido como extensão das lutas iniciadas pelos que pensaram a revolução liberal e libertária, que passando pelas lutas anti-escravagista e pela independência, chegaram à Revolução de 1930 e foram massacrados em 1964, quando se construía esse novo Brasil sonhado pelos nossos próceres.
Paula bebeu brasilidade em Lima Barreto, se encantou, e foi das primeiras a exaltar seu valor histórico e literário no ambiente universitário. Com esse sentimento participou das lutas nacionalistas de nosso povo, como a Campanha que resultou na criação da Petrobras. Mais tarde, com Euzébio Rocha e Toledo Machado Paula de novo estava levantando essas e outras bandeiras, como a da Anistia, das Diretas Já. Por ela fomos mobilizados no movimento de reconstrução da Frente Parlamentar Nacionalista, na reedição do Fórum Sindical de Debates que serviu de laboratório para uma proposta de Constituição para o Brasil. Com Toledo Machado e Paula também participamos da fundação do Sindicato dos Escritores do Estado de São Paulo.
Paula foi cassada em 1969 e aposentada compulsoriamente,o mesmo que dizer que foi expulsa da USP pelos vassalos da ditadura civil-militar implantada em 1964. Junto com Paula foram expulsos Florestan Fernandes, Octavio Ianni, José Artur Gianotti, e cientistas como Mario Schemberg, Leite Lopes, entre centenas. Naquele tempo era comum os carreiristas dedurarem e pedirem a crucificação dos talentosos para ocupar seus lugares já que não chegariam lá por méritos próprios. Ao final de sua carreira Paula se limitava a ajudar graduados na pós.
Titular da cadeira de Ciência Política, sua tese de doutorado em política foi sobre Teoria e Ação no Pensamento Abolicionista. Conquistou a livre docência no departamento de ciências sociais com a tese Contribuição à teoria da organização política brasileira e, mais tarde, nova livre docência com a tese sobre A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. Em 1981 publicou pela Brasiliense A crise do Escravismo e a grande imigração, que teve nova edição em 2003, pela Terceira Margem. Em 1968 publicaria pela Pioneira A formação do povo no complexo cafeeiro.
Ninguém melhor que Paula desmontou o mito do abolicionismo como dádiva da corte. A tardia abolição e os atos imperiais que a antecederam, decorrem mais de um decreto inglês (o Bill Aberden/1845) do que da vontade dos conservadores e da própria família imperial. Mas, Paula vai fundo na analise das crises das monoculturas cíclicas, do anacronismo escravagista em contradição com a necessidade de inserção no nascente capitalismo em expansão. Tudo isso visto no contexto das decadentes culturas ibero-européias empenhadas em formar “uma mesma América sem pensamento próprio, sem projeto de nação, em que as massas devem estar sufocadas na ignorância necessária para preservação do statu quo”.
Para Darcy, a crise na educação no Brasil não é crise, é projeto. Paula reforça essa idéia citando Nabuco que identificava “a pobreza de valores espirituais na sociedade brasileira como inerente à ordem estabelecida” ... Assim, “o analfabetismo generalizado, bem como a organização deficiente e o baixo rendimento da educação escolar, passam a interpretar-se em termos do papel que compete à “ignorância de todos no preservar o statu quo”
O abolicionismo oficial brasileiro, como o europeu, diz Paula visa tão somente “o status jurídico do escravo e não o sistema econômico em que a escravidão se insere e que lhe pode sobreviver” (pg 176).
E também vai fundo na analise das idéias. De um lado, os conservadores conduzindo a ocupação predatória do território com as bênçãos da corte. A eugenia discriminatória já estava presente entre os que tinham os pés aqui e os cofres na Europa. Muito antes de Mussolini, Goebles e Hitler, Pereira Barreto, o cientista de nossa elite, publicava no Estadão da época (A Província de SP) a apologia à superioridade da raça ariana oposta aos negros e índios. Diz Paula, “o cientista Pereira Barreto combaterá o movimento abolicionista apelando para os preconceitos sobre a ´raça inferior´, e opondo ao mesmo tempo, ao `raciocínio absoluto´ que conduzia ao abolicionismo, a compreensão das condições empírico-concretas em que a escravidão se tornava necessária e que pretensamente a justificariam.
Do outro lado, o pensamento liberal e revolucionário que começavam a conformar um pensar brasileiro, não só expresso e impresso, mas conduzindo lutas populares por todos os rincões do país.
Paula desmascara o caráter racista da elite conservadora. Ela mesma foi vítima desse conservadorismo retrógrado e preconceituoso, machistas inconformados diante de uma mulher que brilha por seu talento, sua inteligência, sua capacidade de ensinar aprendendo, pesquisadora incansável e sua coragem.
Fruto dessa sua imersão em nossos próceres Paula publica em 1981, pela Brasiliense, Por que Lima Barreto e, em 1999, pela Perspectiva, Joaquim Nabuco. Em toda sua obra se vê o cuidado em resgatar a importância do pensamento e do fazer dos que estiveram na vanguarda dos movimentos revolucionários dos séculos XXVIII, XXIX e XX.
Em Campinas, reduto dos mais reacionários conservadores, é também onde Antonio Bento vai subverter a ordem escravagista organizando a fuga dos escravos e liderando os Caifazes. Quando os liberais se somam, o movimento abolicionista se torna irresistível. A corte cede, mas não muda o statu quo. Aos milhões de brasileiros livres, negros, índios, negribrancoindio, idionegribranco, não é dado o direito de ser brasileiro. Continua a ocupação predatória com base no latifúndio de monocultura e exploração vil da mão-de-obra.
Historicamente os conservadores impuseram esse modelo com base no latifúndio, impedindo a formação camponesa. Como esse modelo não gera emprego suficiente é preciso apropriar-se do Estado para empregar a familiares e áulicos. Paula, seguramente, não se referia ao clã Sarney paradigma desse comportamento que persiste nas elites ainda hoje, evidenciando a necessidade crucial de uma reforma política que coloque o país na atualidade.
A economia agrária com base camponesa, pleiteada pelos nossos próceres, somente será adotada nas colônias formadas por imigrantes europeus no sul e sudeste a partir do segundo lustro do século XXIX.
Duas obras completam esse ciclo: A formação do povo no complexo cafeeiro, editado pela Pioneira em 1978, que lhe valeu o Prêmio Visconde de Cairu; e A crise do escravismo e a grande imigração, pela Brasiliense em 1981.
Quando a economia começa a migrar da base agrária para a industrial, implementando a população urbana e a imigração européia, Paula se concentra no desenvolvimento desses novos estamentos social e urbano – o capitalista industrial e o operário fabril.
Paula nos mostra que muda o cenário, mas não muda o comportamento da classe dominante. O capital que vem da lavoura vem com a mesma ideologia predadora e escravagista. O trabalhador tratado como carvão para ser queimado nas fornalhas, salários vis, exploração de menores, mulheres e homens sem complacência. E no contexto dessas novas relações sociais os trabalhadores se organizam e lutam.
Mostra em suas obras a constância e evolução das contradições entre capital e trabalho. De um lado, os trabalhadores se organizando e conquistando através de ingentes lutas, num mercado totalmente desregulado, os seus direitos: jornada de oito horas, férias, salários melhores, enfim, até chegar ao que foi consagrado na CLT na década de 1940. Fica claro que todos esses direitos trabalhistas, regulados por leis, foram conquistas das lutas dos trabalhadores.
De outro lado, a pressão constante por desregulamentação. Pressões que se ampliam e conquistam espaço na globalização, com os trabalhadores divididos e anestesiados pela sociedade do consumo.
Essa luta Paula não cessaria de acompanhar até seus últimos dias. Essa história interpretada está em parte nos “Companheiros de São Paulo”, editado pela Símbolo em 1977, teve uma reedição revista em 1981, pela Global e uma terceira, revista e ampliada em 2002, “Companheiros de São Paulo - Ontem e Hoje” editada pela Cortez. Nesta, Paula acrescentou o confronto dos operários com as transnacionais da indústria automotiva, notadamente com a Ford, no início dos nos 1990.
Apreendemos com Paula que juntamente com a classe operária nasce no nosso meio, nas duas primeiras décadas do século XX, a imprensa alternativa, isto é, a imprensa popular, feita por trabalhadores para defender os interesses dos trabalhadores. Como esses primeiros trabalhadores industriais urbanos eram imigrantes, esses jornais eram muitas vezes bilíngües e traziam no nome a origem de quem os editava: Fanfulla, Avanti, La Bataglia, Piccolo, Diario Español, La Propaganda Libertaria.Esses jornais, que circulavam juntamente com O Amigo do Povo, A Plateia, Germinal, Combate, Capital, A Nação, A Plebe, denunciavam as péssimas condições de trabalho, incitavam à organização e cobriam as greve.
Do outro lado, a defender o patronato, jornais de propriedade de famílias oligarcas como o Correio Paulistano. O Estado de São Paulo, Diário Popular, Cidade de Santos. A partir da segunda metade do século passado, ainda circulavam alguns desses jornais alternativos que logo desapareceriam. Permaneceriam os jornais dos comunistas, como Tribuna Popular, Notícias de Hoje, Imprensa Popular, Terra Livre, entre outros. No vazio da imprensa realmente popular, vão circular, a partir de 1955, as várias edições regionais do jornal Última Hora, que dará cobertura ao movimento sindical, e jornais como A Hora, de apelo popular, e mais recentemente, A Hora do Povo que teve o privilégio de ter Paula como colaboradora. Os temas relacionados com o movimento dos trabalhadores pouco a pouco vão se limitar à imprensa sindical.
Paula participou de todos os movimentos nacionalistas pois entendia que passa por uma compreensão do ser nacional a construção de um projeto de nação, de um estado soberano. Nessa linha, ela e Toledo Machado são nossos guias. Talvez inspirada em Toledo deixou-nos textos como Pela recuperação de uma proposta nacional – Breve história da energia elétrica no Brasil, publicado pela Inep em 1986 e, A prática nacionalista – Dever intrínseco das Forças Armadas Nacionais, ou, A causa nacional: o futuro da nação brasileira, no Instituto de Projetos e Pesquisas Sociais e Tecnológicas, publicado pelo Senac em 1998, entre outras.
Historiadora, pesquisadora e, sobretudo militante das causas por um Brasil verdadeiro, pela redenção do povo brasileiro. Paula militante jamais se negou a estar na arena, a participar orientando e aprendendo. A mais justa homenagem a Paula é divulgar sua obra, é seguir seus passos, perseguir a realização de seus sonhos, a melhor das utopia para todos nós.

A “NATUREZA” HUMANA E O DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE

UMA PAIXÃO NO DESERTO - Honoré de Balzac

“Que espetáculo pavoroso!”, exclamou ela ao sair do zoológico do sr. Martin. Acabava de contemplar aquele ousado pesquisador trabalhando com sua hiena, para falar em estilo de anuncio.

“Por que meios” continuou, “ele pode ter domado seus animais a ponto de estar bastante seguro de que sentem afeto por…”

“Esse fato, que lhe parece um problema”, respondi interrompendo, “é no entanto uma coisa natural…”

“Oh!”, ela exclamou, deixando vagar por seus lábios de incredulidade.

“Quer dizer que a senhora acredita que as feras são inteiramente desprovidas de paixões?”, indaguei. “Saiba que podemos dar-lhes todos os vícios devidos ao nosso estado de civilização.”

Ela me olhou com ar atônito.

“Mas”, retornei, “ao ver pela primeira vez o senhor Martin, confesso que me escapou, como à senhora, uma exclamação de surpresa. Encontrava-me na ocasião próximo de um velho militar cuja perna direita fora amputada e que entrara comigo. Essa figura chamara minha atenção. Era um desses rostos intrépidos, marchados pelo sinete da guerra e sobre os quais estão escritas as batalhas de Napoleão. Aquele velho soldado tinha sobretudo um ar de franqueza e de alegria que me provoca sempre uma predisposição favorável. Era sem duvida um desses soldados a quem nada surpreende, que vêem graça na contorção final do rosto de um camarada, que o sepultam ou saqueiam satisfeitos, que interpelam as balas com autoridade, cujas debilerações, enfim, são curtas, e que confraternizariam com o diabo. Depois de ter contemplado com muita atenção o proprietário do zoológico no momento em que saía da jaula, meu companheiro enrugou os lábios de forma a demonstrar um desdém zombeteiro por intermédio daquele tipo de muxoxo significativo que se permitem os homens superiores para fazer-se distinguir dos tolos. Assim, quando manifestei minha admiração pela coragem do sr. Martin, ele sorriu e me disse com jeito competente balançando a cabeça: ‘Grande coisa!…’

“‘Como, grande coisa!’, respondi. ‘Se o senhor quiser explicar-me tal mistério, lhe serei muito grato.’”

“Após alguns instantes durante os quais travamos conhecimento, fomos jantar no primeiro restaurante cuja fachada se ofereceu a nossos olhos. À sobremesa, uma garrafa de vinho da Champanha devolveu às memórias daquele curioso soldado toda a sua clareza. Ele me contou sua história, e vi que tinha razão em exclamar: — Grande coisa!”

De volta à casa dela, ela usou de tantos artifícios, fez tantas promessas, que consenti em redigir-lhe a confidencia do soldado. No dia seguinte, portanto, ela recebeu este episodio de um epopéia que poderíamos intitular: Os franceses no Egito.


***


Quando da expedição empreendida no Alto-Egito pelo gal. Desaix, um soldado provençal, tendo caído prisioneiro dos magrebinos, foi levado por aqueles árabes para os desertos situados alem das cataratas do Nilo. A fim de pôr entre eles e o exército francês um espaço suficiente para sua tranqüilidade, os magrebinos fizeram uma marcha forçada e não pararam antes de caída a noite. Montaram acampamento em torno de um poço ocultado por palmeiras, junto às quais haviam anteriormente enterrado algumas provisões. Sem supor que a idéia de fugir pudesse ocorrer a seu prisioneiro, eles se contentaram com amarrar-lhe as mãos e adormeceram todos depois de comer algumas tâmaras e dar cevada a seus cavalos. Quando o ousado provençal viu seus inimigos fora de condições de vigiá-lo, serviu-se de seus dentes para apossar-se de uma cimitarra e, usando os joelhos para fixar a lâmina, cortou as cordas que lhe impediam o uso das mãos e libertou-se. Prontamente se apropriou de uma carabina e de um punhal, abasteceu-se com uma provisão de tâmaras secas, um pequeno saco de cevada, pólvora e balas; cingiu uma cimitarra, montou sobre um cavalo e esporeou vivamente na direção em que supunha estar o exército francês. Impaciente por rever um brivaque, tanto apressou o corcel já cansado que o pobre animal expirou, com os flancos dilacerados, deixando o francês no meio do deserto.

Depois de caminhar na areia por algum tempo com toda a coragem de um presidiário fugitivo, o soldado foi obrigado a parar, o dia terminava. Apesar da beleza do céu durante as noites no Oriente, não se sentia com forças para continuar seu caminho. Felizmente conseguira galgar uma protuberância no topo da qual se erguiam algumas palmeiras, cujas folhagens avistadas muito antes haviam despertado em seu coração as mais doces esperanças. Sua exaustão era tão grande que ele se deitou sobre uma laje de granito, talhada com capricho em forma de cama de campanha, e ali adormeceu sem tomar nenhuma precaução para sua defesa durante o sono. Ele dera sua vida em sacrifício. Seu ultimo pensamento chegou a ser um remorso. Já se arrependia de ter deixado os magrebinos, cuja vida errante começava a sorrir-lhe, desde que se vira longe deles e sem socorro. Foi acordado pelo sol, cujos raios impiedosos, caindo em cheio sobre o granito, produziam ali um calor intolerável. Ora, o provençal fizera a tolice de posicionar-se no sentido inverso da sombra projetada pelas cabeças verdejantes e majestosas das palmeiras… Olhou para aquelas árvores solitárias e sentiu um calafrio! Elas lhe lembravam as hastes elegantes e coroadas de longas folhas que caracterizam as colunas sarracenas da catedral de Arles. Mas quando, depois de contar as palmeiras, ele correu os olhos em torno de si, o mais terrível desespero fundiu-se sobre sua alma. Viu um oceano sem limites. As areias escuras do deserto se estendiam a perder de vista em todas as direções, e brilhavam como uma lâmina de aço atingida por uma luz viva. Ele não sabia se era um mar de gelos ou se eram lagos unidos como um espelho. Carregado por vagas, um vapor de fogo girava em turbilhões sobre aquela terra movediça. O céu tinha um brilho oriental de um pureza desesperante, porque nada resta a desejar, assim, à imaginação. O céu e a terra ardiam em fogo. O silêncio assustava por sua majestade selvagem e terrível. O infinito, a imensidão oprimiam a alma por todos os lados: não havia uma nuvem no céu, um sopro no ar, um acidente no seio da areia agitada por ondinhas sutis; enfim o horizonte chegava ao fim de um sabre. O provençal abraçou o tronco de uma das palmeiras como se fosse o corpo de um amigo; depois, ao abrigo da sombra delgada e direita que a árvore desenhava sobre o granito, ele chorou, sentou-se e ali ficou, contemplando com uma tristeza profunda a cena implacável que se oferecia a seus olhares. Gritou como para tentar a solidão. Sua voz, perdida nas cavidades da protuberância, entregava à distância um som débil que não despertou nenhum eco; o eco estava em seu coração: o provençal tinha vinte e dois anos, armou sua carabina.

“Estará sempre em tempo!”, disse para si mesmo pousando por terra a arma libertadora.

Contemplando ora o espaço escuro ora o espaço azul, o soldado sonhava com a França. Sentia deliciado os riachos de Paris, lembrava-se das cidades por que passara, dos rostos de seus camaradas e das mais ligeiras circunstâncias de sua vida. Enfim, sua imaginação meridional depressa o fez entrever os seixos de sua querida Provença nos balanços do calor que ondulava acima da manta estendida no deserto. Temendo todos os perigos daquela cruel miragem, ele desceu vertente oposta àquela pela qual subira, na véspera, a colina. Sua alegria foi grande ao descobrir uma espécie de gruta, naturalmente talhada nos imensos fragmentos de granito que formavam a base do montículo. Os restos de uma esteira anunciavam que aquele asilo fora alguma vez habitado. Ademais, a alguns passos avistou palmeiras carregadas de tâmaras. Então o instinto que nos prende à vida despertou em seu coração. Ele esperou viver o suficiente para aguardar a passagem de um grupo de magrebinos, ou, quem sabe!, ouviria em breve o barulho dos canhões; pois, naquele momento, Bonaparte percorria o Egito. Reanimado por esse pensamento, o francês abateu alguns cachos de frutos maduros sob o peso dos quais as tamareiras pareciam vergar-se, e teve a certeza, ao provar daquele maná inesperado, de que o habitante da gruta havia cultivado as palmeiras. Com efeito, a polpa saborosa e fresca da tâmara acusava os cuidados de seu antecessor. O provençal passou subitamente de um desespero sombrio a uma alegria quase louca. Voltou a subir ao cimo da colina e passou o resto do dia ocupado em cortar uma das palmeiras infecundas que, na véspera, lhe haviam servido de teto. Uma vaga lembrança fê-lo pensar nos animais do deserto; e, prevendo que poderiam vir beber naquela fonte perdida nas areias que surgia ao pé do quartel de rocha, resolveu garantir-se contra suas visitas pondo uma barreira à entrada de seu refugio. Apesar de seu ardor, apesar das forças que lhe dava o medo de ser devorado durante o sono, foi-lhe impossível cortar a palmeira em vários pedaços no mesmo dia; mas conseguiu abatê-la. Quando, à noitinha, aquela rainha do deserto caiu, o ruído de sua queda ressoou ao longe, e foi como um gemido solto pela solidão; o soldado estremeceu como se tivesse ouvido alguma voz a prever-lhe uma desgraça. Mas, como um herdeiro que não lamenta por muito tempo a morte de um progenitor, ele desnudou a bela árvore das grandes e altas folhas verdes que são seu adorno poético e as usou para consertar a esteira sobre a qual se deitaria. Fatigado pelo calor e pelo trabalho, adormeceu sob os lambris vermelhos de sua gruta úmida. No meio da noite seu sono foi perturbado por um ruído extraordinário. Sentou-se, e o silêncio profundo que reinava lhe permitiu reconhecer o tom alternativo de uma respiração cuja energia selvagem não podia pertencer a uma criatura humana. Um medo profundo, ademais acrescido pela obscuridade, pelo silencio e pelas fantasias do despertar, gelou-lhe o coração. Ele mal sentia a dolorosa contração de seu couro cabeludo quando, à força de dilatar as pupilas de seus olhos, avistou na escuridão dois brilhos fracos e amarelos. A principio atribuiu aquelas luzes a um reflexo qualquer de sua retina; mas logo, a claridade viva da noite ajudando pouco a pouco a distinguir os objetos que se encontravam na gruta, ele avistou uma enorme animal deitado a dois passos de si. Seria um leão, um tigre ou um crocodilo? O provençal não tinha instrução suficiente para saber em que subgênero estava classificado seu inimigo; mas seu terror foi tanto mais violento quanto sua ignorância o fez supor todas as desgraças juntas. Suportou o cruel suplício de escutar, de perceber os caprichos daquela respiração, sem nada deixar escapar e sem ousar permitir-se qualquer movimento. Um odor tão forte quanto aquele exalado pelas raposas, contudo mais penetrante, mais grave, de certa forma, enchia a gruta; e depois que o provençal o degustou com o nariz, seu terror chegou ao cúmulo, pois ele não mais podia relegar à dúvida a existência do terrível companheiro cujo antro real lhe servia de tenda. Logo os reflexos da lua que se precipitava em direção ao horizonte, iluminando o covil, fizeram sutilmente resplandecer a pele malhada de uma pantera. Aquele leão do Egito dormia, enrodilhado como um enorme cão, tranqüilo proprietário de um nicho suntuoso à entrada de uma mansão; seus olhos, abertos por um momento, tinham-se fechado. Tinha o rosto voltado para o francês. Mil pensamentos confusos passaram pela alma do prisioneiro da pantera; a principio queria matá-la com um tiro de fuzil; mas percebeu que não havia espaço suficiente entre ela e ela para mirar, o cano passaria do animal. E se o acordasse? Esta hipótese o deixou imóvel. Ouvindo seu coração bater em meio ao silêncio, maldizia as pulsações demasiado fortes que a afluência do sangue ali produzia, temendo perturbar aquele sono que lhe permitia buscar um recurso salutar. Por duas vezes pôs a mão sobre a cimitarra na intenção de decepar a cabeça do inimigo; mas a dificuldade de cortar um pêlo curto e duro o obrigou a renunciar a seu ousado projeto. — Errar a mira? seria morrer com certeza, pensou. Preferiu os riscos de um combate, e decidiu esperar pelo dia. E o dia não se fez aguardar por muito tempo. O francês pode então examinar a pantera; seu focinho estava tingido de sangue. “Ela comeu bem!…”, pensou ele, sem se preocupar em saber se o festim fora composto de carne humana, “não terá fome ao despertar.”

Era uma fêmea. A pelagem do ventre e das coxas brilhava de alvura. Várias manchinhas, semelhante a veludo, formavam belas pulseiras ao redor das patas. A cauda musculosa era igualmente branca, mas terminada por anéis negros. A parte de cima do pêlo, amarela como ouro fosco, mas bem lisa e suave, tinha aquelas pintinhas características, com nuances em forma de rosas, que servem para distinguir as panteras das outras espécies de felis. Aquela anfitriã tranqüila e temível roncava numa pose tão graciosa quanto a de uma gata deitada sobre a almofada de um divã. Suas patas ensangüentadas, nervosas e bem armadas, estavam à frente da cabeça que repousava por cima, e da qual partiam barbas raras e direitas, semelhantes a fios de prata. Se ela estivesse assim dentro de uma jaula, o provençal teria sem dúvida admirado a graça do animal e os vigorosos contrastes das cores vivas que davam à sua samarra um brilho imperial; mas naquele momento ele sentia sua vista perturbada por esse aspecto sinistro. A presença da pantera, mesmo adormecida, fazia-o experimentar o efeito que os olhos magnéticos da serpente produzem, dizem, sobre o rouxinol. A coragem do soldado acabou por se desvanecer por um momento diante daquele perigo, ao passo que sem dúvida ele teria se exaltado diante da boca dos canhões a vomitar metralha. No entanto, um pensamento intrépido aflorou em sua alma e secou, na fonte, o suor frio que lhe escorria do rosto. Agindo como os homens que, levados ao limite pela desventura, chegam a desafiar a morte e se oferecem a seus golpes, ele viu sem dar-se conta uma tragédia naquela aventura, e resolveu desempenhar seu papel com honra até a última cena.

“Antes de ontem, talvez os árabes tivessem me matado…” — refletiu. Considerando-se morto, esperou, corajoso e com inquieta curiosidade, pelo despertar do inimigo. Quando o sol surgiu, a pantera abriu subitamente os olhos; em seguida estendeu violentamente as patas, como para desentorpecê-las e dissipar as dores. Enfim bocejou, mostrando a assustadora aparelhagem de seus dentes e a língua sulcada, dura como uma lima. “Ela parece uma pequena amante!…”, pensou o francês ao vê-la rolar e fazer os movimentos a assustadora aparelhagem de seus dentes e a língua sulcada, dura como uma lima. “Ela parece uma pequena amante!…”. pensou o francês ao vê-la rolar e fazer os movimentos mais suaves e faceiros. Ela lambeu o sangue que tingia suas patas e seu focinho e coçou a cabeça com gestos reiterados cheios de delicadeza. “Muito bem! Faça uma pequena toalete!…”, disse para si mesmo o francês que reencontrava a alegria ao recobrar a coragem. “Vamos desejar-nos um bom dia.” E agarrou o punhalzinho curto que tomara dos magrebinos.

Nesse momento, a pantera voltou a cabeça para o francês e o fitou fixamente, sem avançar. A rigidez daqueles olhos metálicos e sua insuportável claridade fizeram o provençal estremecer, sobretudo quando a fera caminhou em sua direção; mas ele a contemplou com ar carinhoso, de soslaio, como para magnetizá-la, deixou que chegasse perto; depois, com um movimento também suave, amoroso como se quisesse acariciar a mais bela mulher, passou-lhe a mão sobre todo o corpo, da cabeça à cauda, atiçando com suas unhas as vértebras flexíveis que dividiam o dorso amarelo da pantera. A fera ergueu a cauda com volúpia, seus olhos se suavizaram; e quando, pela terceira vez, o francês levou a cabo aquele agrado interesseiro, ela fez ouvir um desses ronrom com os quais nossos gatos exprimem seu prazer; mas aquele murmúrio partia de uma goela tão possante e tão profunda que ressoou na gruta como os últimos roncos dos órgãos em uma igreja. O provençal, ciente da impotência de suas carícias, redobrou-se de forma a atordoar, entorpecer aquela cortesã imperiosa. Quando sentiu-se certo de ter extinguido a ferocidade da caprichosa companheira, cuja fome fora tão felizmente saciada na véspera, ele se ergueu e quis sair da gruta; a pantera permitiu que partisse, mas mal ele vencera a colina e ela saltou com a leveza dos pardais que pulam de um galho a outro e veio esfregar-se contra as pernas do soldado, dando-lhe as costas como fazer as gatas. Então, fitando o hóspede com olhos cujo brilho se tornara menos inflexível, ela soltou aquele grito selvagem que os naturalistas comparam ao ruído de uma serra.

“Ela é exigente!”, exclamou o francês, sorrindo. Experimentou brincar com as orelhas, acariciar-lhe a barriga e coçar com força a cabeça com as unhas. E, ao perceber seu sucesso, fez-lhe cócegas no crânio com a ponta do punhal, espreitando a hora de matá-la; mas a dureza dos ossos fê-lo estremecer de medo de não conseguir.

A sultana do deserto aprovou os talentos do escravo erguendo a cabeça, esticando o pescoço, denunciando sua embriaguez pela tranqüilidade de sua atitude. O francês pensou de repente que, para assassinar de um só golpe aquela feroz princesa, seria preciso uma punhalada na garganta, e ele já erguia a lâmina quando a pantera, satisfeita sem dúvida, deitou-se graciosamente a seus pés lançando de quando em quando olhares em que, apesar de um rigor nativo, transparecia confusamente certo desvelo. O pobre provençal comeu suas tâmaras apoiado em uma das palmeiras; mas uma e outra vez lançava um olhar perscrutador sobre o deserto em busca de libertadores, e sobre sua terrível companheiros para vigiar-lhe a clemência incerta. A pantera olhava o local onde os caroços de tâmara caíam toda vez que ele jogava um, e nesse momento seus olhos exprimiam uma incrível desconfiança. Ela examinava o francês com prudência comercial; mas esse exame lhe foi favorável, pois assim que ele terminou sua magra refeição ela lambeu seus sapatos e, com uma língua áspera e forte, miraculosamente lhes retirou a poeira incrustada nas dobras.

“Mas e quando ela sentir fome?…”, pensou o provençal. Apesar do arrepio que a idéia lhe causou, o soldado se pôs a medir curiosamente as proporções da pantera, certamente um dos mais belos indivíduos da espécie, pois tinha três pés de altura e quatro de comprimento, sem incluir a cauda. Aquela arma possante, roliça como um bastão, tinha quase três pés. A cabeça, grande como a de uma leoa, distinguia-se por uma rara expressão de elegância; a fria crueldade dos tigres dominava ali, mas havia também uma vaga semelhança com a fisionomia de uma mulher dissimulada. Enfim, a imagem daquela rainha solitária revelava naquele momento um forma de alegria semelhante à de Nero embriagado; ela se saciava no sangue e queria brincar. O soldado tentou ir e vir, a pantera o deixou livre, contentando-se em segui-lo com os olhos, assim lembrando menos um cão fiel do que um gordo angorá apreensivo com tudo, mesmo com os movimentos de seu mestre. Quando ele se voltou, avistou ao lado da fonte os restos de seu cavalo, a pantera arrastara o cadáver até ali. Cerca de dois terços estavam devorados. O espetáculo tranqüilizou o francês. Ficou fácil explicar a ausência da pantera e o respeito que ela tivera para com ele durante seu sono. Essa primeira felicidade lhe deu a audácia de considerar o futuro e ele concebeu a louca esperança de permanecer em termos amigáveis com a pantera durante o dia inteiro, sem desprezar nenhum meio de domá-la e de conciliar suas boas graças. Retornou para junto dela e teve a felicidade inefável de vê-la agitar a cauda com um movimento quase imperceptível. Sentou-se então sem medo a seu lado e começaram os dois a brincar, ele agarrou as patas, o focinho, torceu-lhe as orelhas e coçou com força seus flancos quentes e sedosos. Ela permitiu, e quando o soldado tentou alisar-lhe o pêlo das patas, recolheu cuidadosamente as unhas recurvadas como lâminas de damasco. O francês, que mantinha uma mão sobre o punhal, ainda pretendia mergulhá-lo no ventre da confiantíssima pantera; mas temia ser imediatamente estrangulado na última convulsão que a agitaria. E, além disso, ouviu em seu coração uma espécie de remorso que lhe gritava que respeitasse uma criatura inofensiva. Parecia-lhe ter encontrado uma amiga naquele deserto sem limites. Pensou sem querer na primeira amante, a quem apelidara Doçura por antífrase, porque ela era de um ciúme tão atroz que durante todo o tempo que durou sua paixão teve de temer a faca com a qual ela sempre o ameaçara. Essa lembrança de sua juventude lhe deu a idéia de tentar fazer com que a jovem pantera, na qual ele admirava, agora com menos receio, a agilidade, a graça e a languidez, respondesse a esse nome.

Perto do final do dia ele já estava familiarizado com a situação perigosa e quase estimava suas angústias. Enfim sua companheira acabara por adquirir o hábito de olhá-lo sempre que ele gritava em voz de falsete: “Doçura”. Ao pôr do sol, Doçura produziu repetidas vezes um grito profundo e melancólico.

“Ela é bem educada!…”, pensou o alegre soldado; faz suas orações!… Mas essa brincadeira mental só lhe ocorreu depois de notar a atitude pacífica em que permanecia sua camarada. “Vai, minha loirinha, eu permitirei que te deites antes”, disse-lhe, contando com a atividade de suas pernas para escapar o mais depressa possível quando ela adormecesse, a fim de sair em busca de outro abrigo durante a noite. O soldado esperou com impaciência a hora da fuga, e, quando ela chegou, caminhou vigorosamente na direção do Nilo; mas mal completara um quarto de légua nas areias quando ouviu a pantera aos saltos atrás dele, lançando a intervalos aquele grito de serra, mais assustador que o ruído pesado de seus saltos.

“Ora vamos!”, pensou, “ela tomou amizade por mim!… Essa jovem pantera talvez não tenha ainda encontrado alguém, é lisonjeador ter seu primeiro amor!” Nesse momento o francês caiu numa daquelas areias movediças tão temíveis para os viajantes e de onde é impossível salvar-se. Sentindo-se preço, soltou um grito de socorro; a pantera o agarrou com os dentes pela gola; e, saltando com vigor para trás, tirou-o do abismo como por magia. “Ah! Doçura”, exclamou o soldado, acariciando-se com entusiasmo, “agora estamos juntos pela vida e pela morte. Mas sem tramóias?” E voltou sobre seus passos.

A partir daquele momento o deserto ficou como que povoado. Ele continha um ser ao qual o francês podia falar, e cuja ferocidade se amainara para ele, sem que ele entendesse as razões daquela inacreditável amizade. Por mais que o soldado desejasse ficar de pé e em guarda, adormeceu. Ao despertar, não viu Doçura; subiu ao alto da colina e, na distância, avistou-se correndo aos saltos, como é costume desses animais, para os quais a corrida é proibida pela extrema flexibilidade de sua coluna vertebral. Doçura voltou com os beiços sanguinolentos, recebeu as carícias necessárias que lhe fez seu companheiro, chegando a manifestar com vários ronroms graves sua satisfação. Seus olhos cheios de langor se dirigiram ainda com mais suavidade do que na véspera para o provençal, que lhe falava como a um animal doméstico.

“Ah! ah!, senhorita, pois é uma menina de bem, não é? Vê isso?… Gostamos de um carinho. Não tem vergonha? Comeu algum magrebino? Bem! São no entanto animais como a senhorita!… Mas não vá abocanhar os franceses, pelo menos… Eu não a amaria mais!…”

Ela brincou como um cãozinho com seu mestre, deixando-se ora rolar, ora bater, ora elogiar; e por vezes provocava o soldado estendendo a pata para ele, num gesto de pedinte.

Alguns dias se passaram assim. Aquela companhia permitiu ao provençal admirar as sublimes belezas do deserto. Desde que encontrava ali horas de temor e de tranqüilidade, alimentos e uma criatura em que pensar, tinha a alma agitada por contrastes… Era uma vida cheia de oposições. A solidão lhe revelou todos os seus segredos, envolveu-o com seus feitiços. Ele descobriu ao nascer e ao pôr do sol espetáculos desconhecidos do mundo. Soube arrepiar-se ao ouvir acima da sua cabeça o suave assobio das asas de um passarinho — raro passageiro! —, ao ver as nuvens se confundirem — viajantes mutáveis e coloridas! Estudou durante a noite os efeitos da lua sobre o oceano das areias onde o simum produzia vagas, ondulações e rápidas mudanças. Viveu ao sabor dos dias do Oriente, admirou suas pompas maravilhosas; e com freqüência, depois de ter gozado do terrível espetáculo de um furacão naquela planície onde as areias suspensas produziam névoas vermelhas e secas, nuvens mortais, via com deleite chegar a noite, pois então caía o benévolo frescor das estrelas. Ouvia músicas imaginárias nos céus. A solidão o ensinou a desfiar os tesouros do devaneio. Passava horas inteiras a lembrar-se de ninharias, a comparar sua vida passada à vida presente. Enfim se apaixonou por uma pantera; pois bem carecia de uma afeição. Fosse que sua vontade, fortemente projetada, tivesse modificado o caráter de sua companheira, fosse que ela encontrasse alimento abundante graças aos combates que se davam então nesses desertos, ela respeitou a vida do francês, que terminou por não mais duvidar dela ao vê-la tão bem amansada. Ele passava a maior parte do tempo a dormir; mas era obrigado a velar, como uma aranha no interior de sua teia, para não deixar escapar o momento de sua salvação, caso alguém passasse na esfera descrita pelo horizonte. Sacrificara sua camisa para dela fazer uma bandeira, hasteada no alto de uma palmeira desprovida de folhagem. Aconselhado pela necessidade, soube encontrar a forma de mantê-la estendida com o auxílio de gravetos, pois o vento poderia não agitá-la no momento em que o viajante esperado olhasse deserto afora…

Era durante as longas horas em que a esperança o abandonava que ele se divertia com a pantera. Acabara por conhecer as diferentes inflexões de sua voz, a expressão de seus olhares, estudara os caprichos de todas as pintas que matizavam o ouro de sua capa. Doçura já nem mesmo rugia quando ele tomava o tufo que arrematava sua ameaçadora cauda, para contar-lhe os anéis negros e brancos, ornamento gracioso, que brilhava de longe ao sol como pedrarias. Ele tinha prazer em contemplar as linhas macias e finas dos contornos, a brancura do ventre, a graça da cabeça. Mas era sobretudo em suas estripulias que ele a contemplava carinhosamente, e a agilidade, a juventude de seus movimentos, o surpreendiam sempre; ele admirava sua leveza quando ela se punha a saltar, a arrastar-se, a deslizar, a enfiar-se, a agarrar-se, rolar-se, encolher-se, lançar-se para todos os lados. Por mais rápido que fosse seu impulso, por mais escorregadio que fosse um bloco de granito, ela estacava imediatamente ao ouvir a palavra “Doçura…”.

Um dia, sob um sol esplendoroso, um imenso pássaro planou nos ares. O provençal deixou sua pantera para examinar aquele novo conviva; mas, depois de um momento de espera, a sultana abandonada rugiu surdamente. “Eu acho, por Deus, que ela está enciumada”, exclamou ele ao ver seus olhos outra vez rígidos. “A alma de Virginie terá passado para esse corpo, é certo!…” A águia desapareceu nos ares enquanto o soldado admirava as ancas arredondadas da pantera. Mas havia tanta graça e juventude em seus contornos! Era bonita como uma mulher. A pelagem loira de sua capa se unia por tonalidades finas aos tons do branco fosso que distinguia as coxas. A luz profusamente lançada pelo sol fazia brilhar aquele ouro vivo, aquelas manchas castanhas, de forma a dar-lhes atrativos indefiníveis. O provençal e a pantera se olharam com ar inteligente, a coquete estremeceu quando sentiu as unhas do amigo coçar-lhe o crânio, seus olhos brilharam como dois relâmpagos, depois ela os fechou com força.

“Ela tem uma alma…”, disse ele ao estudar a tranqüilidade daquela rainha das areias, dourada como elas, branca como elas, solitária e ardente como elas…


“Está bem”, me disse ela, “li sua apologia das feras; mas como terminaram duas pessoas tão bem-feitas para compreender-se?…”

“Ah! pois bem!… Terminaram como terminam todas as grandes paixões: por um mal-entendido. Acreditamos um e outro em alguma traição, não nos explicamos por orgulho, brigamos por teimosia.”

“E por vezes nos mais belos momentos”, disse ela; “um olhar, uma exclamação bastam. E então, termine sua história!”

“É terrivelmente difícil, mas a senhora compreenderá o que já me havia confiado o velho soldado quando, ao terminar sua garrafa de vinho da Champanha, exclamou: ‘Não sei que mal lhe fiz, mas ela se virou como se estivesse enraivecida; e, com seus dentes pontiagudos me talhou na coxa, de leve, é verdade. Eu, acreditando que ela queria devorar-me, enfiei meu punhal em seu pescoço. Ela rolou soltando um grito que me gelou o coração, vi-a debater-se olhando para mim sem raiva. Eu daria tudo no mundo, minha condecoração, que ainda não tinha, para devolvê-la à vida. Era como se eu tivesse assassinado uma pessoa de verdade. E os soldados que haviam visto minha bandeira e que acorreram em meu socorro encontraram-me desfeito em lágrimas… Pois é, senhor’, retornou após um momento de silêncio, ‘depois disso fiz as guerras da Alemanha, da Espanha, da Rússia, da França; passeei meu cadáver, não via nada semelhante ao deserto… Ah! aquilo sim é que é bonito.’ ‘O que o senhor sentia lá?…’, perguntei. ‘Oh!, isso é coisa que não se conta, rapaz. Aliás, não é sempre que sinto falta de meu buquê de palmeiras e de minha pantera… é preciso que eu fique triste para isso. No deserto, veja bem, há tudo, e não há nada…’ ‘Mas explique?’ ‘Pois é’, retornou ele, deixando escapar um gesto de impaciência, ‘é Deus sem os homens.’”