Alexander Nevzorov, em seu livro The horse crucified
and risen (publicado em 2014, 370 p.), estipula um estábulo de 20m2 para
alojar cada cavalo, no inverno, e, no mínimo, 25m2 para alojar cada cavalo no
verão. O piso deve ser emborrachado, para amenizar a inflamação dos cascos, e
deve ter uma área aberta com piso de terra e areia para o cavalo passear quando
está alojado, e sem qualquer material ou objeto (pedrinha pontuda, fragmento de
metais, vidros, plásticos secos, arames etc.) que possa ferir o casco do
cavalo.
A baia também deve permitir que o cavalo passeie durante a
noite, se ele quiser, para atenuar o horror que é, para esse animal
absolutamente dependente da liberdade, o impacto causado sobre sua mente por
estar alojado em ambiente com paredes.
Esse espaço amplo para acolher o corpo do cavalo em suas
horas de descanso e de sono, deve permitir que ele se deite de tal modo que
nenhuma das partes do seu corpo fique numa posição de restrição.
A porta deve ficar aberta, para que o cavalo saia da baia,
caso sinta calor, queira a chuva lavando seu pelo, ou se sinta em desconforto
pelo confinamento. Alexander Nevzorov diz que essa história de ventiladores e
ar condicionado são um desastre, pois não atendem de fato às necessidades
naturais do cavalo, porque o sistema respiratório dele precisa mesmo é de ar
puro, do ar que se renove por si a cada brisa, não de um ar artificialmente
aquecido ou resfriado, injetado nos pulmões dos animais através de canalizações
cujos filtros não recebem higienização e troca devidas, portanto, estão
carregados de ácaros, fungos e outros patógenos ali depositados.
Quanto à higiene do piso, então, já descrevi em outro
artigo, o Dormindo em cama de fezes, o horror que é, para um cavalo, ter que se
postar sobre seus excrementos e urina, ou ter que comer no mesmo ambiente onde
esses excrementos e urina ficam depositados, uma cena confirmada por foto
tirada por um ativista defensor da abolição do uso dos cavalos para tração e
atração turística em Paquetá.
No caso dos cavalos, eles até podem dormir em pé, é verdade.
Mas essa é uma posição que eles guardam apenas quando precisam montar
sentinela, quando se sentem ameaçados por algo ou alguém. Como é muito difícil
para um cavalo pôr-se de pé repentinamente, no caso de um ataque ou assalto ao
seu corpo por qualquer predador, sempre que ele está em alerta, com medo, com
pânico de ser agredido ou destruído, ele não se deita para descansar. Também
jamais faz isso sobre suas fezes ou as fezes de qualquer outro animal.
Do mesmo modo, cavalos não comem no mesmo lugar onde
defecam, e, quando soltos, sequer pastam onde há excrementos, diferente dos
bovinos que até podem comer excrementos sem se incomodar muito, razão pela qual
botam excrementos de galinha na ração deles. Mas os cavalos têm um senso de
separação, entre o que é para eles e o que é contra eles, muito desenvolvido.
Também, ao contrário das vacas, as éguas não comem a
placenta dos recém-nascidos.
Quanto às patas, esse é outro horror. Tenho aqui o livro
editado em 2014, Hoof care principles: a step by step guide to the basics, por
Lydia Nevzorov, a mulher que acompanha, examina e descreve a fisiologia dos
cavalos, mostrando as inflamações do corpo a partir da termografia
computadorizada. Nesse livro estão editadas 597 fotos com as doenças das patas
que ninguém pode ver num cavalo, a não ser que o ferre. E, ainda assim, essas
anomalias podem passar sem serem vistas, quando lesam as camadas que formam a
estrutura complexa da pata do cavalo.
As patas dos animais usados para tração e atração turística
em qualquer cidade do Brasil e do mundo devem estar em estado de miséria, seja
pela ferradura fora do lugar, seja por lesões antigas, seja por objetos
perfurantes nos quais eles pisam ao trotar pelas ruas puxando carroças com
turistas, cargas inertes, ou voltando para seus alojamentos. As patas são um
caso à parte, do pior tipo de tortura que um animal pode estar sofrendo sem que
ninguém possa ver, a menos que tenha treinado seu olhar para perceber o
desbalanço dos movimentos do animal.
E tem as úlceras no estômago. Aqueles cavalos que babam
grosso, uma espuma, em vez de saliva a escorrer pela boca, esses já não têm
mais a saliva em sua composição normal equilibrada, o que vai evidenciar
doenças no estômago, pelo desequilíbrio do pH. Segundo Alexander Nevzorov, as
glândulas parótidas estão atrofiadas. A garganta dos cavalos fica ressecada
durante o tempo em que o ferro é atravessado na boca do animal, porque os
movimentos da deglutição não são mais possíveis de forma saudável e correta.
Isso também lesa os pulmões, porque, estando ressecada a área por onde o ar passa,
as partículas que teriam ficado coladas à mucosa úmida já não ficam ali e
seguem diretamente para os pulmões.
E tem ainda as cangas nas quais eles são atados às carroças,
causando lesões nas carnes logo abaixo da pele. Quando essas lesões são
repetidas, pode formar escaras externas, o que as torna visíveis. Mas pode
lesar apenas de dentro para fora e um dos sinais é a pele ficar meio despregada
da carne, formando áreas assim, estranhas.
Enfim, são tantos os tormentos desses animais, e é tão
grande a nossa ignorância desses tormentos, que, para que haja uma virada no
destino desses escravos equinos, é preciso que os juízes se acerquem dessa
vasta e pioneira literatura, para que possam ver e compreender o que,
provavelmente, quase certamente, nunca pensaram que assim fosse.
Não adianta condenar carroceiros, charreteiros a cumprirem
termos circunstanciados para "melhorar" (bem-estarismo ou
reducionismo) as condições de vida desses animais. Não há como melhorar a vida
de escravos (Não há bem-estar na vida dos condenados).
O sistema de escravização de equinos para tração e atração
turística só funciona e dá lucro porque é miserável para os animais. Qualquer
melhoria implica em diminuir a vantagem financeira obtida pelos humanos dessa
exploração. E, nesse caso, essas melhorias acordadas nos "termos
circunstanciados" não serão cumpridas, serão, mais uma vez, "para
inglês ver".
Se os carroceiros são tão pobres que precisam viver desse
jeito, matando cavalos, como terão dinheiro para ampliar as baias,
higienizá-las, dar de comer ao animal várias vezes ao dia, hidratar e deixar
que descansem, enfim, como poderão cuidar dos animais, se não podem cuidar nem
de si mesmos?
É uma incoerência pedir como solução para a tragédia da vida
desses cavalos melhorias bem-estaristas. Primeiro, porque os carroceiros ou
charreteiros não entendem nada do que estão fazendo com os animais, acham que
estão fazendo a eles o que é natural e tradicional fazer. Segundo, se os
charreteiros vivem da escravização de cavalos e não têm outros meios de ganhar
a vida (algo questionável, porque são homens que podem assumir outro tipo de
trabalho), eles não têm dinheiro para bancar as melhorias. Terceiro, porque,
passados dois meses das melhorias determinadas em qualquer termo
circunstanciado, essas pessoas recairão na forma de tratar os cavalos que ora
vemos, por inércia moral, social, econômica e jurídica.
Não há melhorias que possam libertar os cavalos desse jugo
cruel. A única saída é a abolição do sistema de tração e de atração turística
equina em qualquer lugar.
Sônia T. Felipe | felipe@cfh.ufsc.br
Sônia T. Felipe, doutora em Teoria Política e Filosofia
Moral pela Universidade de Konstanz, Alemanha (1991), fundadora do Núcleo de
Estudos Interdisciplinares sobre a Violência (UFSC, 1993); voluntária do Centro
de Direitos Humanos da Grande Florianópolis (1998-2001); pós-doutorado em
Bioética - Ética Animal - Univ. de Lisboa (2001-2002).
Autora dos livros Acertos abolicionistas: a vez dos animais
(Ecoânima, 2014); Ética e experimentação animal: fundamentos
abolicionistas (Edufsc, 2007;2014); Galactolatria: mau deleite
(Ecoânima, 2012); Passaporte para o Mundo dos Leites Veganos(Ecoânima,
2012); Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter
Singer em defesa dos animais (Boiteux, 2003).
Colaboradora nas coletâneas, Somos todos animais (ANDA,
2014); Direito à reprodução e à sexualidade: uma questão de ética e
justiça (Lumen & Juris, 2010); Visão abolicionista: Ética e
Direitos Animais (ANDA, 2010); A dignidade da vida e os direitos
fundamentais para além dos humanos (Fórum, 2008); Instrumento animal (Canal
6, 2008); O utilitarismo em foco (Edufsc, 2008); Éticas e
políticas ambientais (Lisboa, 2004);Tendências da ética contemporânea (Vozes,
2000).