A ideia de que o uso de animais em treinamento de novos cirurgiões é importante para que estes adquiram autoconfiança é discutida no presente artigo.
Em 1994, M. Pavletic e colaboradores, trabalhando na Tufts University, realizaram um estudo comparativo sobre a aquisição de habilidade cirúrgica por estudantes de veterinária que participaram de um curso alternativo de procedimentos cirúrgicos e médicos de pequenos animais, em relação aos seus colegas que não participaram do mesmo curso, mas que treinaram em animais.
Os resultados de seu estudo mostram que não há evidências de que existam diferenças significativas no que diz respeito à habilidade de conduzir cirurgias comuns, procedimentos médicos e diagnósticos, capacidade de realizar cirurgias ortopédicas e em tecidos finos, confiança e capacidade de realizar procedimentos sem qualquer assistência.
Da conclusão desse estudo: “o uso de cadáveres durante o terceiro ano do programa de laboratório, quando suplementado por treinamentos clínicos adicionais durante o quarto ano, pode prover treinamento comparável ao provido pelo programa de laboratório convencional.”
Em outro estudo, realizado em 1999, R. Fingland analisou a experiência de estudantes de veterinária que treinavam suas habilidades cirúrgicas por meio da castração de animais de abrigos e pertencentes à população carente, em vez de animais experimentais. Com relação a este assunto, o autor escreveu : “Estudantes no ‘novo’ currículo obtiveram melhor desempenho durante a realização de ovário-histerectomia e em alguns aspectos da secção lateral do canal auditivo. Mais importante, o ‘novo’ currículo não compromete a educação de estudantes veterinários, mas oferece formas melhores de se ensinar a habilidade cirúrgica.” O estudo conclui que estudantes que utilizam essa técnica são mais bem preparados para realizar cirurgias.
Treinamentos utilizando pacientes reais ou que têm um propósito superior como o da castração, não apenas transmitem o conteúdo técnico, como também trazem consigo uma mensagem moral. Quando estudantes lidam com pacientes reais, cuja intervenção tem propósito curativo; quando eles têm a oportunidade de tomar conta dos animais, antes e após a cirurgia e de fato se preocupam com sua recuperação e saúde geral, ao invés de matá-los ao fim do procedimento, então estão-se formando verdadeiros veterinários.
Estudantes de medicina veterinária não deveriam aprender das instituições de ensino que animais são meros produtos descartáveis. Que tipo de veterinários espera-se obter por meio dessa formação? Ainda que o uso de animais experimentais fornecesse a melhor formação técnica possível, ainda assim o aprendizado deixaria a desejar. Pois a razão para a escolha da carreira veterinária deveria ser, acima de tudo, o animal. Estudantes veterinários que veem animais apenas como números, como objetos ou como mecanismos estão na carreira errada; são, em verdade, médicos frustrados.
O melhor aprendizado ocorre quando o estudante é responsável não apenas por sua habilidade, mas pela saúde e bem-estar do animal para o qual o tratamento está sendo aplicado.
Já foi documentado que o estresse psicológico, como o experimentado por muitos estudantes de veterinária quando lidam com animais de laboratório, pode resultar em diminuição na capacidade de observação e raciocínio; o uso de animais não pacientes na educação veterinária pode resultar, portanto, em menor aprendizagem. Finalmente, o uso de animais não pacientes na medicina veterinária pode prejudicar os sentimentos de compaixão e empatia do futuro profissional. Existem registros que mostram uma variedade de situações em que a violência exposta e outros estímulos aversivos levam a uma dessensibilização; animais de laboratório podem dessensibilizar estudantes ao sofrimento animal.
Muitos outros estudos mostram resultados semelhantes. D. Holmberg e colaboradores observaram em 1993 que o sistema DASIE – Dog Abdominal Surrogate for Instructional Exercises – substitui com vantagens o uso de animais, respondendo aos instrumentos cirúrgicos de forma semelhante aos tecidos de cães vivos.
O sistema é bastante simples, construído em espumas e tecidos dispostos em camadas. Para um leigo que olhe o sistema sequer lembra um cão, no entanto, pelo ponto de vista técnico ele substitui completamente a necessidade de uso do animal em várias técnicas, proporcionando aos estudantes uma facilidade para aquisição das habilidades psicomotoras necessárias para conduzir uma cirurgia.
Esse sistema DASIE pode ser utilizado para o ensino de técnicas assépticas, cirurgia estética, instrumentação, padrões de suturas, cirurgia abdominal geral e principalmente procedimentos cirúrgicos abdominais, urogenitais e gastrointestinais. Os tecidos das camadas mais internas e mais externas, bem como a camada laminada do meio, são reforçados para resistir ao corte, para reagir aos instrumentos cirúrgicos e manter as suturas semelhantes ao que ocorreria em tecidos cutâneos e faciais. Os vasos sanguíneos, simulados, permitem ao estudante a prática de pinçar e ligar pontos específicos do tecido. Além disso, a aceitação de DASIE por estudantes de universidades americanas e europeias é muito boa.
A despeito do que se diz em relação à necessidade do uso de animais para aquisição de destreza profissional e autoconfiança, De Young & Richardson declaram: “… é nossa opinião que a autoconfiança dos estudantes é aumentada enormemente após trabalhar com modelos plásticos. Suas habilidades motoras e a compreensão de princípios biomecânicos de fixação de fraturas e aplicação de implantes são superiores àquelas resultantes do uso de animais de laboratório vivos…”
Há outras vantagens do uso de modelos plásticos. Em aulas de laboratórios que utilizam animais vivos não há tempo suficiente para que o estudante manipule o animal e, dessa forma, adquira as habilidades motoras necessárias. No caso do uso de modelos plásticos, essa manipulação pode acontecer a qualquer momento, sem a necessidade de um professor, técnico de laboratório ou mesmo de um laboratório. Esse mesmo fator representa uma vantagem quando do uso de softwares e outros recursos que permitem a calma para o estudante analisar todo o procedimento, revisar, se ativer aos detalhes, realizar o procedimento seguidamente, por inteiro ou passo a passo, em velocidade normal ou mais lentamente.
Programas gráficos, computadorizados, tridimensionais podem oferecer ao estudante uma variedade de treinamentos em diagnósticos e procedimentos cirúrgicos. Avaliações de pós-graduandos da Tufts University School of Veterinary Medicine demonstraram que estudantes treinados por intermédio dessas alternativas não diferiram significativamente em relação às habilidades, atitudes e confiança, de estudantes que foram treinados por meio de técnicas utilizando animais.
Se recursos alternativos servem ao propósito da formação de novos cirurgiões, por que se continuam utilizando animais? A resposta está no continuísmo e na falta de questionamentos. Cursos de caráter tecnicista ensinam a realização de determinada tarefa sem questionar o porquê desta e, por esse motivo, aulas práticas tornam-se excessivamente teóricas, já que as manipulações experimentais se resumem a demonstrações e ilustrações do que se encontra nos livros. Trata-se de um ritual de confirmação do que já se conhece, e não uma vivência do método científico. O aluno recebe verdades prontas de seu professor, sem qualquer questionamento. Portanto, embora se possa dizer que se está fazendo ciência, o que na verdade se está fazendo é propaganda dela.
Fonte: ANDA - Agência de Notícias de Direitos Animais
Sérgio Greif - sergio_greif@yahoo.com
Biólogo formado pela UNICAMP, mestre em Alimentos e Nutrição com tese em nutrição vegetariana pela mesma universidade, docente da MBA em Gestão Ambiental da Universidade de São Caetano do Sul, ativista pelos direitos animais, vegano desde 1998, consultor em diversas ações civis publicas e audiências públicas em defesa dos direitos animais. Co-autor do livro "A Verdadeira Face da Experimentação Animal: A sua saúde em perigo" e autor de "Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação: pela ciência responsável", além de diversos artigos e ensaios referentes à nutrição vegetariana, ao modo de vida vegano, aos direitos ambientais, à bioética, à experimentação animal, aos métodos substitutivos ao uso de animais na pesquisa e na educação e aos impactos da pecuária ao meio ambiente, entre outros temas. Realiza palestras nesse mesmo tema. Membro fundador da Sociedade Vegana.